Psicoterapia é sobre abrir liberdade

Quanta coisa fica na conta da terapia, né? Ou melhor, me pergunto o que será que está por detrás desse imperativo: "façam terapia"? Se é doido, procure terapia, se está fora de si, procure terapia, se é fascista, internação psiquiátrica e terapia, se é mau-caráter, faça terapia, se está triste, faça terapia, se está vivo, faça terapia. E olha que eu sou um cara que partilho da concepção que é possível de psicologizar tudo ou quase tudo. Mas isso é muito característico dos tempos atuais, principalmente ao individualizar questões que são, na maioria das vezes, coletivas. Todo adoecimento é relacional, todo transtorno mental é relacional. E outra, até quando os estereótipos daquilo que não é aceito é consequentemente motivo para a terapia? O que vocês acham que é uma terapia? Higienismo afetivo?

Sendo simples, psicoterapia é sobre abrir as coisas, pré-coisas, preciosidades. Abrir palavras, abrir murmúrios. Abrir tristeza, abrir lamurio. Abrir verdade, abrir liberdade. Abrir tradição, abrir repetição. Abrir o que não se fecha, abrir o que sempre se abre. Abrir o que se guarda sem saber, abrir o que aparece sem querer. Abrir a solidão, abrir afetação. Abrir caminho, abrir fechamento. Abrir luto, abrir a luta. Fazer o diferente. Se a Gestalt-terapia condiz muito mais com uma cultura do verbo, talvez o abrir seja um bom exemplo. Principalmente, caso lembrarmos de a polaridade abrir-fechar gestalten. Ao fim, quando se fecha uma gestalt, milhares de outras se abrem.

A escola bolsonarista

Certas coisas só foram possíveis ficarem tão constrastadas no governo do Bolsonaro. A psicologia cristã, por exemplo, é extremamente sorrateira e o charlatanismo nunca vingou tanto. E me pergunto o quão isso causou traumas em tantos processos terapêuticos, de saúde de maneira geral. Dias desses fui no hospital e ouvi um profissional dizer para uma pessoa acreditar em deus… com isso quero dizer que há uma vazão que se alastra também por toda a saúde pública. Na precarização do entendimento da saúde que é passado dos profissionais aos pacientes/clientes. O que é saúde, hoje? E quantos profissionais, as vezes sem saber o que falar, dizem a palavra de Deus para outra pessoa, receitam remédios sem eficácia, sequer acreditam no cuidado que eles mesmos cuidam. Afinal, hoje se faz política por um “evangelho”, porque com as políticas públicas de saúde seriam diferentes?

Em Gestalt-terapia, por sua perspectiva de campo, é dado que “tudo tem um fundo estético” (robine). O estético vem de aesthesis, sensações, em que não apenas se sente, mas se produz sobre o sentir e seus significados [poética]. Desta maneira, o que é poética é também poética na dor? Ou, a legitimação que Bolsonaro dá para a violência carrega uma poética? Perls chamava atenção para a agressividade, o morder dependente, o ego, o ato... E as vezes sinto que é sensação comum que todos estamos sendo mais agressivos, seja com nós mesmos, sejam com os outros, e seus intervalos, suas janelas. Hoje, para alguns, ir pra academia é terapia. O puro suco da retroflexão, da sobrecarga “aliviada” no próprio cansar. Do morrer de cansaço e não conseguir relaxar. Produzir até depois do fim. Quem de nós gosta de tomar um relaxantezin muscular depois de um dia cansativo de trabalho?

portas fechadas dois mil e vinte e três

Não deveria existir trabalhar tanto a ponto de não ter tempo para os seus. Não deveria existir passar mais tempo sob um teto, perdendo a amplidão do céu. Não deveria existir o olhar julgador sobre quem sofre já que todos sofremos. (Será se ainda julgam sofrimentos?) Não deveria existir ter medo de se cuidar. Não deveria existir o fenecer da fome. Não deveria existir o não saber quem não se é.

portas fechadas dois mil e vinte e três